quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O que é a Hope of Mother?

A Hope of Mother (Esperança de Mãe) é uma organização não governamental (ONG) afegã, fundada por Mina Wali, em 2004. Visa contribuir para o desenvolvimento do Afeganistão através da promoção da educação, da saúde, do artesanato e do desporto, sobretudo junto das gerações mais jovens.

Tem como lema: "Sensibilizar e Proporcionar Oportunidades". E com ele, a HOM espera promover a participação dos afegãos na economia local, o espírito de liderança e a igualdade de género.

Mural pintado por Luke Foto HOM

Presentemente, a Hope of Mother tem quatro projetos em curso:
  1. Escola Shawl Pacha: Inaugurada em abril de 2008, é frequentada por cerca de 500 alunos, de ambos os sexos.
  2. Clínica Lily: Inaugurada em fevereiro de 2009, situa-se nas traseiras da Escola Shawl Pacha. Fornece cuidados de saúde básicos à população local.
  3. Centro de Treino Vocacional Shaw Wali Khan: Visa dar formação profissional na área do artesanato para dotar as economias locais de recursos humanos e obter formas de auto financiamento dos projetos da HOM.
  4. Federação Afegã de Boxe Feminino: Visa promover a igualdade de género no Afeganistão.

    Mina Wali é a Presidente da Hope of Mother. Tem como Vice Presidentes Tareq Azim e Ahmad Shaw.

    Tareq Azim é filho de Mina. Nasceu em Munique, na Alemanha, em 1982, e foi criado em São Francisco, nos Estados Unidos. Tareq conheceu a sua verdadeira casa quando viajou até ao Afeganistão. Licenciado em Ciências Ambientais pela Universidade do Estado da Califórnia e com uma carreira desportiva paralela, como pugilista profissional, promoveu a criação de uma equipa feminina de boxe em Cabul. Tareq é a energia por detrás da HOM.

    Ahmad Shaw é um antigo comandante mujahedine, nos tempos da ocupação soviética do Afeganistão, que começou a proteger o país, de arma na mão, com apenas 16 anos. A sua lealdade e o seu compromisso para com o povo afegão fazem dele a força motriz da HOM. A criação e aplicação de qualquer projeto não acontece sem que ele seja ouvido. Ahmad Shaw vive em Peshawar, no Paquistão. No Afeganistão, há quem diga que ele deveria ser o Presidente do país.

    Os três dirigentes da HOM com alunos da escola. 
    Tareq Azim (de branco), Mina Wali e Ahmad Shaw (à direita). Foto HOM

    A Hope of Mother está sediada em São Francisco, na Califórnia, Estados Unidos. A 26 de agosto de 2009, a organização realizou a sua primeira gala de recolha de fundos, no edifício Ruby Skye, na baixa de São Francisco. No seu discurso, Mina Wali afirmou:  
    "Estamos a construir comunidades pequenas e rentáveis, para que as crianças cresçam sabendo como criar os seus próprios sucessos. Com esta base sólida, olhamos em frente na expectativa de vermos mais líderes mundiais a emergir do Afeganistão. Nós não seremos conhecidos como um país de bombistas suicidas, se eu tiver uma palavra a dizer sobre o assunto."
    Foto de Jeff Swearingen


    Fotogaleria da Gala de Angariação de Fundos, 26/08/2009

    Cartazes da Gala




    quarta-feira, 28 de setembro de 2011

    Octávio Vieira, um militar sonhador

    Na primeira pessoa, o Tenente-Coronel Octávio Vieira relata como conheceu Mina Wali e como a Assistência Médica Internacional (AMI) abraçou o projeto da Hope of Mother (HOM) desde a primeira hora.

    Um encontro feliz
    Em setembro de 2005, desempenhava eu funções como Oficial de PSYOPs (operações psicológicas) na ISAF (coligação militar da NATO em serviço no Afeganistão), quando conheci Mina Wali Azim. Ela geria uma empresa que tinha a responsabilidade de distribuir os produtos informativos desenvolvidos pela célula de PSYOPs.

    Era oriunda de uma família pashtun muito conhecida na sociedade afegã. O seu pai era um comandante da Força Aérea e assessor do Rei Zahir. Com a invasão soviética, em 1979, ela foi forçada a fugir para os EUA, onde obteve a cidadania americana e reconstituiu a sua vida.

    Em 2003, após o 11 de Setembro e a intervenção dos EUA e da NATO no seu país, ela decidiu voltar ao Afeganistão para tentar encontrar o corpo do pai e construir algo nas terras que possuía nas zonas de Jalalabad, Kunar e Pakthia, perto da fronteira com o Paquistão.

    Os vários conflitos que o Afeganistão sofreu nos últimos anos tinham causado muitas baixas entre a população e um número elevado de crianças órfãs, abandonadas, sem abrigo, pedintes... Ao deparar com essa tragédia, ela voltou aos EUA com a ideia de criar uma ONG. Assim nasceu a Hope Of Mother (HOM), vocacionada para apoiar crianças, através da construção de escolas e clínicas.

    Existe terreno, falta dinheiro
    Decidida a montar o seu projeto, Mina abandonou o emprego que tinha em São Francisco e regressou ao Afeganistão em 2005, como gerente de uma empresa de distribuição de material informativo, o que lhe permitiu fazer um contrato com a NATO.

    No dia em que a conheci, após a reunião de trabalho que tivemos, ela apresentou-me o seu projeto, mostrando-me um folheto que tinha elaborado e imprimido em São Francisco. Perguntou-me se a poderia ajudar, encaminhando-a para alguma entidade ou elemento da ISAF da área do apoio humanitário. Pretendia obter financiamento para a construção de escolas, para as quais já tinha, inclusive, um projeto arquitetónico.

    Para mim, a proposta de Mina Wali Azim constituía uma alegre coincidência, dando-me a possibilidade de agarrar em toda a documentação disponível e desenvolver contactos aos mais variados níveis, dentro e fora do quartel general da ISAF. Se tudo falhasse em Cabul, estava decidido a tentar algo em Portugal.

    AMI diz 'sim' ao projeto
    Após a apresentação do projeto a vários países da NATO, nenhum se mostrou interessado. Ao regressar a Portugal, iniciei contactos com várias entidades ligadas à ajuda humanitária. Contactei também jornais e televisões.

    Dois dias após enviar um email para a Assistência Médica Internacional (AMI), recebi um telefonema da secretária do Presidente da AMI para combinar uma reunião. A 9 de janeiro de 2006, reuni-me com o Dr. Fernando Nobre e a esposa, Luísa Nemésio, e apresentei-lhes todos os documentos: folhetos, plantas da escola e da clínica, documento comprovativo da criação da Hope of Mother, o seu registo em São Francisco, e a autorização por parte do governo afegão para o exercício de atividade no país.

    Nessa reunião, ficou decidida a ida do Presidente da AMI a Cabul, entre 14 e 20 de fevereiro de 2006. Tinha um mês para organizar toda a visita em conjunto com a Mina. De regresso a Cabul, elaborei um programa e enviei-o para a AMI. Nele constavam encontros com representantes da União Europeia e dos Ministérios da Educação e da Saúde, bem como a visita aos locais previstos para as obras e, muito importante, encontros com líderes da comunidade local, um aspeto que, segundo a Mina, era crucial ao sucesso do projeto.

    Durante janeiro e fevereiro, a Mina fez vários contactos e reuniões com esses líderes para recolher opiniões, conselhos e obter o seu acordo para a construção da primeira escola. A 14 de fevereiro de 2006, iniciou-se a visita do Presidente da AMI ao Afeganistão.

    Fernando Nobre em Cabul

    Fernando Nobre, Mina Wali, Octávio Vieira
    Em frente ao Palácio do Rei, totalmente destruído
    Com Cabul em pano de fundo
    O Presidente da AMI, em conjunto com a Presidente da HOM, manteve reuniões com os chefes locais e com representantes do Provincial Reconstruction Team (PRT) de Nangarhar. Após reuniões com os ministros da Educação e da Saúde, foi garantido o apoio da AMI à Hope of Mother.

    Encontro dos Presidentes da AMI e da HOM com o ministro afegão da Educação e os vice ministros

    Encontro com um representante da União Europeia

    Escola pronta a tempo das aulas
    A AMI acordou um apoio financeiro à HOM de 100.000 dólares por três anos, renováveis por mais dois, para construção e despesas de manutenção de uma escola e uma clínica, na região de Jalalabad. A construção começou em julho de 2006. As primeiras aulas foram dadas em setembro de 2007.

    Inicialmente com 440 alunos, de várias etnias - pashtunes, uzebeques e muitos kuchis (ciganos) -, a escola dava emprego a 16 professores (oito homens e oito mulheres), três funcionários para a manutenção da escola, um responsável pelo cumprimento dos deveres religiosos e um enfermeiro.

    Após regressar de uma missão no Iraque (2007-2008), em fevereiro de 2008, e após novos encontros com o Presidente da AMI, acordámos regressar ao Afeganistão em abril de 2008 de forma a “oficialmente” participarmos na inauguração da escola, já construída, e da clínica, em construção.
    Nessa cerimónia, participaram vários elementos do governo, representantes do PRT local, autoridades religiosas e muitos órgãos de comunicação social.

    Cortando a fita
    Junto às alunas
    Junto aos alunos
    Usando um turbante que lhe foi oferecido em sinal de honra e respeito.
    Segundo a tradição afegã, o homem que o usa está convidado a fazer parte da vida da comunidade


    O modelo ideal
    Assim que começou a funcionar, a escola foi agraciada com vários prémios por parte do Ministério da Educação local. Pelas condições que disponibilizava, foi considerada uma escola modelo.
    A fórmula escolhida pela AMI é considerada a mais indicada, pois recorre a um nacional (Mina Wali) para dirigir o projeto, respeita os valores locais, cria emprego e ministra educação, seguindo um programa variado, avaliado como o mais adequado ao ensino no Afeganistão.
    A ONG portuguesa limita-se a financiar, por objetivos, e a fiscalizar um projeto que não adultera nem interfere na organização social daquela região tão sensível. A própria ONU reconheceu-o e, em setembro de 2008, designou a AMI uma ONG com Estatuto Consultivo do Conselho Económico e Social das Nações Unidas.
    Fotos de Octávio Vieira

    Perfil do Tenente Coronel Octávio Vieira:

    Em missão humanitária, Gingko, julho/2009


    Vídeo
    Manter a paz num cenário de guerra, Companhia das Manhãs, SIC, 30/12/2010 - temporariamente indisponível


    segunda-feira, 26 de setembro de 2011

    Mina Wali, uma afegã lutadora


    Mina Wali nasce em Cabul em 1961. Filha de Shaw Wali Khan, o primeiro comandante de jatos da Força Aérea afegã e assessor do rei Zahir Shah, vê a sua vida ruir quando, em 1973, um golpe liderado pelo príncipe Daud depôs a monarquia e instaurou a república no Afeganistão.

    Shaw Wali Khan
    A família de Mina não escapa às retaliações e, um dia, o pai é levado de casa, para nunca mais voltar. (Ainda hoje, Mina procura respostas em valas comuns dispersas por todo o país.) A mãe, professora, começa a receber ameaças. Casada e com uma filha nos braços - a bebé Dina -, Mina opta por abandonar o país, em 1979, o mesmo ano em que os tanques soviéticos invadiram o país.

    Vive três anos na Alemanha - com o estatuto de exilada política. Em Munique, nasce Tareq, o seu segundo filho. Segue-se a decisão de emigrar para os Estados Unidos, onde já viviam alguns familiares. Em solo norte-americano, haveria de nascer Yossef, o terceiro e último filho.

    O 11 de setembro e as memórias do passado

    Nos Estados Unidos, Mina obtém o conforto e a tranquilidade a que estava privada no Afeganistão. A 11 de setembro de 2001, testemunha o que nunca julgou ser possível acontecer naquele país. "Foi uma grande dor ver mães à procura dos filhos desaparecidos. Sei o que isso é porque me lembro de mim e da minha mãe à procura do meu pai no Afeganistão." Desde 1979, Mina perdera 37 familiares.

    Após o ataque às Torres Gémeas, e a consequente decisão dos EUA de retaliarem sobre o regime talibã - que dava guarida a Osama bin Laden e à sua Al-Qaida -, Mina teme pelo seu povo. "Foi um sentimento de devastação. Quase tive um ataque de coração por tudo o que aconteceu no 11 de Setembro e o que se seguiu no meu país. Fez-me reviver velhas memórias muito dolorosas." Decide voltar ao Afeganistão, apesar dos protestos do resto da família, o que se concretiza em 2003.

    Em solo afegão, emociona-se com o regresso - "às minhas raízes, ao meu sangue" - e choca-se ao constatar a destruição do país após décadas em guerra. Sente que tem um papel a desempenhar no futuro do Afeganistão e dedica-se à ideia de construir uma escola nos terrenos que possui, na província de Nangarhar, fronteira ao Paquistão. "As crianças no Afeganistão precisavam de mim. Nos EUA há muito bons professores mas no meu país natal não havia nada. Achei que podia fazer a diferença naquele país."

    Resposta pronta da AMI

    O sonho começa a concretizar-se quando Mina conhece um militar português, Octávio Vieira, em Cabul. Ela geria uma distribuidora de produtos informativos que trabalhava para a NATO. Ele estava destacado no departamento de operações psicológicas da ISAF (a coligação da NATO no Afeganistão). A empatia foi imediata. "Surpreendi-me com a delicadeza daquele militar, pois a minha experiência como filha e descendente de uma família de militares tinha-me mostrado o quão austeros normalmente são."

    Mina fala-lhe do seu sonho e Octávio acredita que é possível realizá-lo. De férias em Portugal, o militar apresenta o projeto ao Presidente da AMI, Fernando Nobre, que se predispõe a ir ao Afeganistão avaliar as condições no terreno. A visita acontece em 2006 e a decisão da AMI em financiar a obra é imediata. "Tive esperanças que fosse uma ONG americana a apoiar este projeto mas o apoio acabou por vir de Portugal", refere Mina.

    Uniformes novos para dias de festa

    A escola começa a funcionar em 2007 (apesar da inauguração oficial apenas acontecer em 2008). Os alunos distinguiam-se dos demais pelos uniformes azuis oferecidos pela escola. "Quando regressei ao Afeganistão comprei uniformes para todos, mas não os quiseram usar durante umas semanas. Não percebia porquê. Pensei que fosse vergonha. Mas pouco depois do começo das aulas, veio o Ramadão e a festa que se segue, a 'Id, que se celebra vestindo algo novo. E todos compareceram com os uniformes porque era a única coisa que tinham de novo há muito tempo."

    Com a escola em funcionamento, Mina sente que o seu regresso ao Afeganistão começa a ser recompensado. "Fui criada por um pai que fez história no Afeganistão, como o primeiro comandante do caça Mig 21 e assessor direto do nosso rei Zahir Shah. O meu pai foi levado vivo pelo regime comunista que invadiu o Afeganistão na década de 1970 e nunca mais vi ou ouvi falar da sua vida ou morte. O seu último pedido aos meus irmãos mais novos e a mim foi para que nunca virássemos as costas à nossa nação. Eu prometi, e fico feliz por isso."


    Vídeos
    Como tudo começou, por Mina Wali, 27/05/2011



    Depoimento de Mina Wali, recolhido pelos militares norte-americanos,13/01/2009


    Artigos complementares:
      
    Mina Wali Azim, Devolver o Futuro, Scribd
    Mina Wali - Uma história de perseverança, AMI Notícias, 2º trimestre de 2008 (anexo 1)
    O olhar de uma afegã que regressou ao país, Diário de Notícias, 18/07/2008 (anexo 2)


    ANEXO 1



    ANEXO 2