quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Octávio Vieira, um militar sonhador

Na primeira pessoa, o Tenente-Coronel Octávio Vieira relata como conheceu Mina Wali e como a Assistência Médica Internacional (AMI) abraçou o projeto da Hope of Mother (HOM) desde a primeira hora.

Um encontro feliz
Em setembro de 2005, desempenhava eu funções como Oficial de PSYOPs (operações psicológicas) na ISAF (coligação militar da NATO em serviço no Afeganistão), quando conheci Mina Wali Azim. Ela geria uma empresa que tinha a responsabilidade de distribuir os produtos informativos desenvolvidos pela célula de PSYOPs.

Era oriunda de uma família pashtun muito conhecida na sociedade afegã. O seu pai era um comandante da Força Aérea e assessor do Rei Zahir. Com a invasão soviética, em 1979, ela foi forçada a fugir para os EUA, onde obteve a cidadania americana e reconstituiu a sua vida.

Em 2003, após o 11 de Setembro e a intervenção dos EUA e da NATO no seu país, ela decidiu voltar ao Afeganistão para tentar encontrar o corpo do pai e construir algo nas terras que possuía nas zonas de Jalalabad, Kunar e Pakthia, perto da fronteira com o Paquistão.

Os vários conflitos que o Afeganistão sofreu nos últimos anos tinham causado muitas baixas entre a população e um número elevado de crianças órfãs, abandonadas, sem abrigo, pedintes... Ao deparar com essa tragédia, ela voltou aos EUA com a ideia de criar uma ONG. Assim nasceu a Hope Of Mother (HOM), vocacionada para apoiar crianças, através da construção de escolas e clínicas.

Existe terreno, falta dinheiro
Decidida a montar o seu projeto, Mina abandonou o emprego que tinha em São Francisco e regressou ao Afeganistão em 2005, como gerente de uma empresa de distribuição de material informativo, o que lhe permitiu fazer um contrato com a NATO.

No dia em que a conheci, após a reunião de trabalho que tivemos, ela apresentou-me o seu projeto, mostrando-me um folheto que tinha elaborado e imprimido em São Francisco. Perguntou-me se a poderia ajudar, encaminhando-a para alguma entidade ou elemento da ISAF da área do apoio humanitário. Pretendia obter financiamento para a construção de escolas, para as quais já tinha, inclusive, um projeto arquitetónico.

Para mim, a proposta de Mina Wali Azim constituía uma alegre coincidência, dando-me a possibilidade de agarrar em toda a documentação disponível e desenvolver contactos aos mais variados níveis, dentro e fora do quartel general da ISAF. Se tudo falhasse em Cabul, estava decidido a tentar algo em Portugal.

AMI diz 'sim' ao projeto
Após a apresentação do projeto a vários países da NATO, nenhum se mostrou interessado. Ao regressar a Portugal, iniciei contactos com várias entidades ligadas à ajuda humanitária. Contactei também jornais e televisões.

Dois dias após enviar um email para a Assistência Médica Internacional (AMI), recebi um telefonema da secretária do Presidente da AMI para combinar uma reunião. A 9 de janeiro de 2006, reuni-me com o Dr. Fernando Nobre e a esposa, Luísa Nemésio, e apresentei-lhes todos os documentos: folhetos, plantas da escola e da clínica, documento comprovativo da criação da Hope of Mother, o seu registo em São Francisco, e a autorização por parte do governo afegão para o exercício de atividade no país.

Nessa reunião, ficou decidida a ida do Presidente da AMI a Cabul, entre 14 e 20 de fevereiro de 2006. Tinha um mês para organizar toda a visita em conjunto com a Mina. De regresso a Cabul, elaborei um programa e enviei-o para a AMI. Nele constavam encontros com representantes da União Europeia e dos Ministérios da Educação e da Saúde, bem como a visita aos locais previstos para as obras e, muito importante, encontros com líderes da comunidade local, um aspeto que, segundo a Mina, era crucial ao sucesso do projeto.

Durante janeiro e fevereiro, a Mina fez vários contactos e reuniões com esses líderes para recolher opiniões, conselhos e obter o seu acordo para a construção da primeira escola. A 14 de fevereiro de 2006, iniciou-se a visita do Presidente da AMI ao Afeganistão.

Fernando Nobre em Cabul

Fernando Nobre, Mina Wali, Octávio Vieira
Em frente ao Palácio do Rei, totalmente destruído
Com Cabul em pano de fundo
O Presidente da AMI, em conjunto com a Presidente da HOM, manteve reuniões com os chefes locais e com representantes do Provincial Reconstruction Team (PRT) de Nangarhar. Após reuniões com os ministros da Educação e da Saúde, foi garantido o apoio da AMI à Hope of Mother.

Encontro dos Presidentes da AMI e da HOM com o ministro afegão da Educação e os vice ministros

Encontro com um representante da União Europeia

Escola pronta a tempo das aulas
A AMI acordou um apoio financeiro à HOM de 100.000 dólares por três anos, renováveis por mais dois, para construção e despesas de manutenção de uma escola e uma clínica, na região de Jalalabad. A construção começou em julho de 2006. As primeiras aulas foram dadas em setembro de 2007.

Inicialmente com 440 alunos, de várias etnias - pashtunes, uzebeques e muitos kuchis (ciganos) -, a escola dava emprego a 16 professores (oito homens e oito mulheres), três funcionários para a manutenção da escola, um responsável pelo cumprimento dos deveres religiosos e um enfermeiro.

Após regressar de uma missão no Iraque (2007-2008), em fevereiro de 2008, e após novos encontros com o Presidente da AMI, acordámos regressar ao Afeganistão em abril de 2008 de forma a “oficialmente” participarmos na inauguração da escola, já construída, e da clínica, em construção.
Nessa cerimónia, participaram vários elementos do governo, representantes do PRT local, autoridades religiosas e muitos órgãos de comunicação social.

Cortando a fita
Junto às alunas
Junto aos alunos
Usando um turbante que lhe foi oferecido em sinal de honra e respeito.
Segundo a tradição afegã, o homem que o usa está convidado a fazer parte da vida da comunidade


O modelo ideal
Assim que começou a funcionar, a escola foi agraciada com vários prémios por parte do Ministério da Educação local. Pelas condições que disponibilizava, foi considerada uma escola modelo.
A fórmula escolhida pela AMI é considerada a mais indicada, pois recorre a um nacional (Mina Wali) para dirigir o projeto, respeita os valores locais, cria emprego e ministra educação, seguindo um programa variado, avaliado como o mais adequado ao ensino no Afeganistão.
A ONG portuguesa limita-se a financiar, por objetivos, e a fiscalizar um projeto que não adultera nem interfere na organização social daquela região tão sensível. A própria ONU reconheceu-o e, em setembro de 2008, designou a AMI uma ONG com Estatuto Consultivo do Conselho Económico e Social das Nações Unidas.
Fotos de Octávio Vieira

Perfil do Tenente Coronel Octávio Vieira:

Em missão humanitária, Gingko, julho/2009


Vídeo
Manter a paz num cenário de guerra, Companhia das Manhãs, SIC, 30/12/2010 - temporariamente indisponível


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