sábado, 22 de outubro de 2011

"Em Tora Bora, belas flores irão desabrochar"

Entrevista de Mina Wali por ocasião da sua deslocação à Europa, em maio de 2011, a convite da Fundação Europeia para a Democracia, onde participou num conjunto de conferências organizadas com objetivo de aproximar a sociedade civil afegã e o público europeu. (Tradução da entrevista)


Em vez de bombistas suicidas, é possível preparar "enfermeiros, professores, lindas donas de casa e bons maridos" em Tora Bora, uma das regiões "mais assustadoras" do Afeganistão e onde se pensou durante muito tempo que Osama bin Laden pudesse estar escondido, disse Mina Wali, fundadora de uma escola privada nessa área desfavorecida, ao "EurActiv" em entrevista.

Mina Wali viveu nos Estados Unidos 28 anos e regressou ao Afeganistão em 2005 para contribuir para o esforço de reconstrução em curso no seu país de origem. Em 2006, ela abriu a primeira escola da Hope of Mother, que tem 400 alunos.

Mina Wali fala com o Editor Principal do "EurActiv" Georgi Gotev.

Tinha apenas 17 anos quando deixou o seu país, o Afeganistão, que depois foi ocupado pelo exército soviético. Passou 28 anos nos EUA, mas um dia, em 2003, deixou a ensolarada Califórnia e voltou ao Afeganistão. Por que o fez e o que aconteceu?

Antes de mais, quero agradecer a oportunidade de fazer ouvir a minha voz. Gostaria também de agradecer à Fundação Europeia para a Democracia por me ter convidado a vir a Bruxelas.

Em relação ao porquê de eu ter saído da ensolarada Califórnia e ter regressado ao Afeganistão, tenho muito orgulho em afirmar que sou afegã e americana. Vivi 17 anos, os meus melhores anos, no Afeganistão, até o meu pai ter sido levado. Ele era um general da Força Aérea na base de Bagram e desapareceu. Não sabemos se ele está vivo ou não. Outros membros da minha família também foram capturados. Então, não tínhamos alternativa senão deixar o país.

A minha família estabeleceu-se na Califórnia, que tem um clima semelhante ao do Afeganistão. Durante muitos anos, eu nunca sonhei que um dia voltaria ao Afeganistão. Mas com a ajuda da comunidade internacional, houve uma esperança de que poderíamos voltar. E em 2003 eu visitei o meu país, para ver como estava.

Foi a minha curiosidade, o meu amor, a minha paixão, tudo estava no Afeganistão, especialmente o meu pai desaparecido. Eu sempre o procurei. Então vim procurá-lo, porque a dor que eu sentia era insuportável.

Quando eu cheguei em 2003, percebi que não era só eu, muitas outras pessoas sentiam a mesma dor, ainda pior do que eu. Havia pessoas que tinham perdido todos os membros de sua família. Então decidi: nós temos de ser uma equipa, temos de nos apoiar uns aos outros. Quando regressei aos Estados Unidos, decidi voltar. A minha formação é o ensino. Havia professores suficientes na América, mas eu poderia trazer algumas mudanças ao Afeganistão.


Dirige uma escola em Tora Bora, uma região famosa pelas grutas onde as forças americanas tentaram localizar Osama bin Laden. Estamos a ter esta conversa um dia após a sua morte. O facto de ele não existir mais: que significado tem para o povo do Afeganistão? A propósito, como é Tora Bora? Não são apenas grutas: deve haver alguma esperança em Tora Bora também, uma vez que dirige uma escola lá.

É por isso que a escola está lá, para levar esperança às pessoas. Graças à escola, as pessoas começaram a circular naquela área. A minha escola fica perto de Tora Bora, que nós chamamos de Torghar, o que significa Montanha Negra. No sopé da Montanha Negra fica a minha escola e, excetuando a montanha e a agricultura, não há mais nada. O primeiro rocket contra a União Soviética foi disparado a partir da área onde eu construí minha escola.

E é por isso que eu construí a escola, para não precisarmos mais de armas. Precisamos de canetas, precisamos de começar a nossa revolução com a educação. As pessoas são muito tradicionais nessa zona, mas aceitaram-me muito bem. É diferente de Cabul, que recebe muita atenção. Mas eu decidi que deveria beneficiar uma região desfavorecida. Esse foi o meu objetivo, e essa é a razão pela qual eu fui para uma zona rural. E os meus planos para o futuro seguirão esse princípio - não gosto de trabalhar em grandes cidades, onde todos estão concentrados.

Que mudanças há nas vidas das pessoas? Como é que a escola influenciou a vida na comunidade? Que matérias são ensinadas, apenas matérias curriculares ou os alunos também são ensinados a serem cidadãos e habilidosos nas suas casas?

Fazemos as duas coisas. Ensinamo-los a serem bons na escola, mas também a serem educados na sua vida social. Também trabalhamos com as famílias.

Eu, pessoalmente, dirijo-me à família e converso com eles, vejo que tipo de problemas têm. Nós criamos empregos para eles, para mulheres que não estão autorizadas a saírem de sua casa. E isto não acontece porque o seu marido é muito ruim, mas devido à sua cultura.

As pessoas acreditam que se uma mulher sai de sua casa, é porque o homem não é suficientemente bom para cuidar da família. Esta é uma área pashtun. Então levo-lhes coisas para elas fazerem em casa e depois compro-lhes e vendo. Quero trabalhar para tornar o programa sustentável. Não podemos estar sempre dependentes da ajuda de doadores.

 
Quantas escolas como essa são necessárias no Afeganistão? Talvez milhares?

Mais do que milhares. Não me quero gabar, mas posso dizer que a minha equipa está a trabalhar muito duro para que as pessoas se tornem alguém. Para que daquela zona, que sempre teve um nome assustador, belas flores desabrochem.

E não produzir terroristas?

Não, não produzir bombistas suicidas. Eu quero produzir enfermeiros, professores, lindas donas de casa, bons maridos, e vê-los com um sorriso e uma vida alegre.

A União europeia pode ajudar?

Ela já está a ajudar, mas podia fazer mais e nós adoraríamos ter o seu apoio. Portugal é membro da União Europeia, e apesar de ser um país relativamente pobre, oferece ajuda através da AMI [Assistência Médica Internacional], e eu estou grata ao seu presidente Fernando Nobre e à sua esposa, que me apoiaram e confiaram em mim. Somos uma equipa muito boa e trabalhamos muito bem juntos.


Esta é a sua primeira visita a Bruxelas? Pretende voltar e desenvolver os contactos que estabeleceu hoje?

Eu amo Bruxelas, eu amo as pessoas, e eu espero que eles me amem também. Eu adoraria voltar.

A morte de Osama bin Laden vai mudar as coisas no Afeganistão e talvez na região?

É uma boa notícia para todos. Não sei o quanto vai mudar, porque eu não sou política. Mas, definitivamente, haverá muitas mudanças, porque Bin Laden tem sido como um herói para aquelas pessoas, mas agora o herói desapareceu.
Fotos HOM

Entrevista original (em Inglês):
"At Tora Bora, 'beautiful flowers will bloon'", EurActiv, 04/05/2011


Excerto da entrevista (vídeo):



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