sábado, 15 de outubro de 2011

"Estas jovens querem ser reconhecidas"

Numa entrevista à "News War Radio", da Pensilvânia (EUA), Tareq Azim fala da sua experiência como treinador de jovens mulheres pugilistas no Afeganistão. E de como a sua iniciativa entusiasmou um casal de cineastas a fazer um documentário sobre o Afeganistão, as mulheres e o boxe. (Tradução da entrevista)

Kristin Caspar: O boxe é um dos desportos mais masculinos do mundo, mas não para Tareq Azim. O afegão-americano de 25 anos iniciou um movimento no Afeganistão, ensinando jovens raparigas a competir dentro e fora do ringue. Elise Garrity tem a história.

Elise Garrity: Depois de se formar na Universidade do Estado da Califórnia, em Fresno, em 2004, Tareq Azim, residente na Califórnia, voou para o Afeganistão para prestar homenagem ao seu avô, General Shaw Wali, o primeiro comandante de um caça na História do Afeganistão. Tareq é também pugilista. Um pugilista profissional, patrocinado pela Fairtex. Enquanto estava no Afeganistão, ele treinou com pugilistas afegãos da equipa de boxe. Ao mesmo tempo, ofereceu-se como voluntário para treinar uma equipa de futebol feminino. Foi aí que o boxe captou o interesse das suas jogadoras.
Tareq Azim: Eu chegava ao treino um pouco antes das raparigas e começava a correr e a simular movimentos de boxe. Então elas diziam: 'Treinador, treinador, o que é que está a fazer?' Eu dizia: 'Não se preocupem, com tempo... com tempo...' E elas: 'Com tempo o quê?' Então decidi iniciar este programa.

Elise Garrity: O boxe é um dos desportos mais masculinos do mundo. E Tareq não estava seguro de que o Afeganistão estava preparado para algo como mulheres pugilistas. Ao falar com líderes tribais, descobriu que tudo o que era necessário era um pouco de persuasão.
Tareq Azim: Eu discuti esta ideia com várias pessoas e perguntei: 'O que acha se uma coisa deste género acontecesse?' Claro que, de imediato, as pessoas riam-se na minha cara: 'Você é louco, isso nunca poderá acontecer no nosso país'. 'Porquê?', perguntei, Então, eles ficavam sem reação e depois eu explicava-lhes o 'porquê', o 'como' e os benefícios. Estas pessoas são realmente abertas a novas ideias, se lhes for explicado como fazê-las.
Elise Garrity: O programa começou informalmente no ano passado. Cerca de 100 meninas estavam interessadas. Esse número caiu para cerca de 50 quando os treinos começaram. Tareq e um outro treinador orientam as meninas no Estádio Nacional de Cabul. Sob o regime talibã, este era um local não de desporto mas de execuções. Agora, o espaço está equipado com material doado pelo patrocinador de Tareq, a marca Fairtex.


Elise Garrity: Massouda Jalal candidatou-se à presidência do Afeganistão em 2004, e mais tarde serviu quase dois anos como ministra para os Assuntos das Mulheres. Agora é diretora executiva da Fundação Jalal. A sua organização tem trabalhado para dar às mulheres mais acesso ao desporto, por exemplo importando mesas de ténis de mesa para as meninas das escolas secundárias de Cabul. Embora existam muitas iniciativas para melhorar o acesso ao desporto no Afeganistão, Jalal diz que não é um movimento que chegue a todo o país.
Massouda Jalal: Começa na capital e vai até à orla das áreas rurais. A insegurança é o pior em termos de desenvolvimento.
Elise Garrity: Mesmo nas áreas mais seguras, Jalal diz que pode haver outros obstáculos para as mulheres.
Massouda Jalal: Claro que no Afeganistão, como em qualquer outro país do terceiro mundo, temos algumas práticas tradicionais indesejadas que discriminam as mulheres e as meninas e as impedem de ter iguais oportunidades na vida.
Elise Garrity: As tradições culturais não contêm Tareq Azim. Ele está a tentar levar o seu programa para além da relativa segurança de Cabul, até à fronteira paquistanesa.
Tareq Azim: Na verdade, estou a levar o programa para a região leste de Nangarhar, porque ouvi dizer que é um dos maiores desafios. Eu sou competitivo e pensei que seria uma boa ideia competir e provar que é possível fazê-lo lá também. Então lancei o programa nessa área.
Elise Garrity: Dentro e fora do país, a audácia de Tareq está a alterar formas de pensamento. Peter Getzels é um cineasta independente premiado que está a fazer um documentário sobre as primeiras mulheres pugilistas do Afeganistão. No ano passado, a sua esposa Harriet seguia num voo doméstico para São Francisco quando Tareq lhe chamou a atenção.
Peter Getzels: Ele sentou-se ao lado dela no avião e estava muito agitado. Falava ao telemóvel e o seu pé tremia. Ele não estava a falar Inglês e ela estava meia perplexa e curiosa em relação ao que se estava a passar. Então pensou em travar conhecimento com ele e começaram a falar. E rapidamente descobriu que ele era um pugilista afegão que desenvolvia este trabalho extraordinário com estas mulheres no Afeganistão. E começaram a ver fotos no computador dele e a falar sobre o assunto.
Elise Garrity: Quando a Harriet, que também é cineasta, contou a história ao marido, Getzels ficou imediatamente interessado.
Peter Getzels: Era uma daquelas histórias e uma daquelas coisas que simplesmente salta de uma página ou da boca de alguém e nos põe a pensar: 'Deus, isto é uma coisa extraordinária.' É o tipo de filme que Harriet e eu gostamos de fazer.
Elise Garrity: Esta pequena equipa de Getzels começou a filmar, a sua esposa Harriet e Neil Barrett, que anteriormente tinha filmado no Afeganistão. A história já se tornou algo mais do que o desporto. E, de facto, esse era o objetivo de Tareq desde o início.
Tareq Azim: O meu principal motivo, por trás disto, é estabelecer uma avenida, um canal de capacidades para estas jovens porque elas querem começar a ser reconhecidas e a viver como acontece com os homens no Afeganistão. Querem ocupar altos cargos no governo, querem ser pilotos, querem ser médicas, querem provar ao mundo que podem desempenhar os papeis que os homens desempenham.

Elise Garrity: No ano passado, Tareq apresentou o seu programa ao Comité Olímpico do Afeganistão, estabelecendo a Federação Afegã de Boxe Feminino. Agora tenta criar uma equipa nacional, para competir por todo o mundo. Tareq deve parte do seu sucesso à boa reputação do seu avô no Afeganistão, o que lhe proporcionou uma comunicação direta com o presidente do Comité Olímpico. Ele diz que muitos burocratas sentem-se ameaçados pelo seu progresso.
Tareq Azim: Eles acreditam que se há instabilidade mais fundos irão ser canalizados para o Afeganistão, bem como mais apoio e todos esses programas gratuitos com grandes orçamentos da USAID. Mas se há estabilidade, pensam: 'Ok, não podemos deixar este tipo trabalhar aqui, porque se ele trabalha aqui ele vai mostrar que há crescimento, paz e calma e que já não precisamos de ajuda'.
Elise Garrity: Tareq diz que também há alguma oposição dentro do mundo de boxe. Algumas pessoas têm inveja da qualidade dos equipamentos do seu programa.
Tareq Azim: Eles começaram a ameaçar. Telefonavam-me e diziam: 'Se tu fores treinar hoje, nós matamos-te.' E diziam às minhas atletas: 'Se vocês forem treinar, nós matamo-vos e violamo-vos pelo caminho'. É-me muito fácil falar sobre isto, porque acontece muitas vezes.
Elise Garrity: Durante o regime talibã, as mulheres no desporto era um assunto tabu. Ficou claro para Peter Getzels o quanto as coisas mudaram quando ele falou com um ex-líder talibã que conhecia Tareq.
Peter Getzels: Eu passei algum tempo a conversar com ele tentando perceber como era possível conciliar o boxe feminino com a percepção que eu tinha da forma como os talibãs viam as mulheres no Afeganistão, e ele dizia que - desde que ele sentisse que elas cumpriam a sharia [lei islâmica] - não parecia haver qualquer proibição em relação ao boxe nem em relação ao facto de ser praticado por mulheres. Senti que ele pensava que era uma coisa boa.
Elise Garrity: E tem sido uma coisa boa para as meninas. Getzels diz que elas estão a desafiar tanto a forma como são vistas como a forma como se veem a elas próprias.
Peter Getzels: É engraçado, eu perguntei a uma menina, através do tradutor, se ela se considerava, antes de tudo, uma pugilista, uma pugilista afegã ou ela mesma. Quem era ela quando estava a lutar? Ela deu-me uma grande resposta e disse que, na verdade, era uma desportista.
Elise Garrity: Getzels diz que o seu projeto está na fase inicial e que está em aberto. Os Jogos Olímpicos de Londres de 2012 são uma possível conclusão. Mas mesmo que as jovens lá cheguem, o boxe feminino pode não ser um grande acontecimento. Naturalmente, Tareq adoraria ver as raparigas terem sucesso em competições internacionais, mas o seu objetivo final é aquilo que só pode ser alcançado fora do ringue.
Tareq Azim: Eu dou-lhes um treino muito duro, em termos físicos. E tento que elas apliquem essas técnicas nos seus estudos, quando ficam stressadas a ler livros ou a estudar. Sentir essa pressão é quase como quando estamos a bater no saco contra a vontade. Há que lutar. Se elas levam esses ensinamentos para casa, para mim, significa mais do que qualquer outra coisa.
Elise Garrity: Através da Federação Afegã de Boxe Feminino, Tareq não só fez nome no Afeganistão como criou condições para que estas mulheres pugilistas façam o mesmo.
Fotos HOM

Entrevista original (em Inglês):
Squaring Off, War News Radio (Swarthmore College, Pensilvânia, EUA), 25/07/2008

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