domingo, 23 de outubro de 2011

"Uma heroína afegã na despedaçada Tora Bora"


Durante uma visita à Europa, a convite da Fundação Europeia para a Democracia, Mina Wali é entrevistada pelo jornal turco em língua inglesa “Today’s Zaman”. Segue-se a tradução integral do artigo.


Mina Wali é uma das muitas heroínas no Afeganistão, um dos países mais pobres do mundo, com condições de vida extremamente abjetas. Depois de passar 28 anos na Califórnia, um dos estados mais belos e mais ricos dos EUA, Wali decidiu regressar à sua terra natal no Afeganistão em 2003, porque sentia necessidade de fazer algo por seu país.

Wali fez algo ainda mais corajoso - ela foi até às encostas de montanhas de Tora Bora, a região mais perigosa do país onde Osama bin Laden se tinha estabelecido e gerido as suas operações globais durante muitos anos. O seu principal objetivo foi dar um humilde contributo para a sua terra natal abrindo uma escola após 28 anos de conforto, na Califórnia. Wali, durante uma visita a Bruxelas como convidada da Fundação Europeia para a Democracia, partilhou a história de seu regresso a Tora Bora.


Segundo o Índice de Desenvolvimento Humano da ONU (IDH), o Afeganistão ocupa o 155º lugar entre 169 países; a expectativa média de vida é de 44,6 anos e a escolaridade média é de 3,3 anos. Por outras palavras, o cidadão médio afegão não tem sequer a escola primária. Wali, que lançou uma escola em nome da organização Hope of Mother no sopé das montanhas de Tora Bora, em 2005, está a tentar oferecer uma educação de nível mundial a 500 alunos. O que é significativo acerca desta escola é que o número de meninas é superior ao de meninos. Sublinhando que a taxa de alfabetização entre as mulheres afegãs é apenas entre 5 e 8 por cento, Wali observa que há 260 meninas a estudar na sua escola.





A localização da escola tem um significado simbólico em alguns aspetos; o nome da cidade onde a escola foi aberta em 2006 é Torghar, o que significa Montanha Negra e está localizada nas encostas das montanhas de Tora Bora. Quando lhe perguntaram: "Porquê esta cidade", Wali responde: "Quando me casei, deram-me algumas terras como dote. Quando voltei ao Afeganistão, eu queria ver esta terra. Reparei que a terra localizava-se na base das montanhas de Tora Bora. Construímos a escola naquela terra. Desta forma, poupamos dinheiro e, para além disso, construímos uma escola numa região que necessitava muito de educação."

O primeiro rocket contra o Exército Vermelho durante a ocupação soviética na década de 1980 foi disparado nesta região. Wali diz que o que esta região precisa é de educação e livros em vez de armas.

"Tenho grandes expectativas em relação à Turquia"


Sublinhando o quanto o povo afegão ama e respeita a Turquia, Wali pede ajuda ao povo turco para a sua luta contra a iliteracia. Ela insta o governo turco a patrocinar iniciativas para abrir mais escolas na região para que as crianças possam ser salvas das ruas.


Observando o sucesso de escolas turcas no Afeganistão, Wali queixa-se das condições na sua região e pede à Turquia que considere este assunto.


Dizendo que estão a enfrentar sérios problemas financeiros, Wali explica, usando uma analogia interessante, como ela assegura apoio para a sua escola: "Quando eu volto à América, sou como uma mendiga. Peço dinheiro a toda a gente que encontro. Apelo aos meus familiares e amigos mais próximos que direcionem as suas esmolas para a escola."


Uma das razões para o seu regresso à pátria que deixou aos 17 anos era descobrir o destino de seu pai, Shaw Wali Khan, um dos primeiros pilotos no Afeganistão e assessor do rei afegão Zahir Shah. O seu pai desapareceu na década de 1970, enquanto estava preso na Base Aérea de Bagram, que atualmente está a ser usada pelos americanos. Se o seu pai está morto ou vivo ainda é um mistério. Se ele está morto, a sua sepultura ainda não foi identificada. 

Wali diz: "Eu trabalhei duro para descobrir o destino do meu pai quando voltei, em 2003. Não sabemos se está vivo ou não. Se ele está morto, não sabemos a localização do seu túmulo. Eu percebi uma coisa durante a procura pelo meu pai. Há milhares de famílias como nós; e a sua agonia é maior do que a nossa. Infelizmente, eu desisti de procurar o meu pai."


"Osama bin Laden só trouxe desastres para o Afeganistão"

Wali, que está em Bruxelas para participar num evento patrocinado pela Fundação Europeia para a Democracia após Osama bin Laden ter sido morto durante uma operação americana, diz que o líder da Al-Qaida explorou o povo afegão durante muitos anos. Notando que Bin Laden infligiu os maiores danos ao povo afegão e ao Afeganistão, Wali disse: "Quem ama e respeita essas pessoas? Segundo o Alcorão, somente Alá pode tirar a vida, ninguém mais. O Afeganistão vive num estado de guerra já há anos, mas já tinha muitos problemas para resolver. Então Bin Laden chegou e explorou o povo afegão." 


Wali argumenta que a Al-Qaida sequestrou e fez lavagens cerebrais a milhares de órfãos no Afeganistão. No entanto, as suas observações sobre os talibãs são mais brandas. Realçando que não foi identificado ou descoberto qualquer caso de corrupção durante a era talibã, Wali acredita que os casos de corrupção estão em ascensão durante a administração Karzai no Afeganistão. 

Wali diz: "Não tenho nenhum problema com os talibãs. Eu respeito o Islão. Os talibãs não me fizeram nada nem à minha escola até agora. Eu não paguei um centavo em subornos para abrir a escola. Devo observar que não há qualquer autoridade governamental no distrito da escola."
 

Ela não tem qualquer problema com os talibãs, mas tem havido algumas tentativas para a matar.Não tem ideia de quem o ordenou, mas diz simplesmente: "Eu poderia ser morta em qualquer altura. O que se pode fazer se este é o destino?"
Fotos HOM


Artigo em Inglês:
"Mina Wali, a heroic Afghan woman in war-torn Tora Bora", Today's Zaman, 19/06/2011

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